Ele se sentava com seriedade frente à tela, como se soubesse que ali estava prestes a confrontar algo invisível. Era o ano de 1956, e no zoológico de Londres, entre bananas e olhares curiosos, um jovem chimpanzé chamado Congo fazia algo inusitado: pintava. Não por instinto de sobrevivência, mas por impulso — ou quem sabe, por tédio elevado à estética. Seu ateliê era improvisado: uma sala envidraçada, tintas atóxicas espalhadas em potes, pincéis adaptados às suas pequenas mãos e um cavalete posicionado à altura dos olhos. Sob a observação do zoólogo Desmond Morris, Congo começou com rabiscos, depois passou a linhas mais controladas, manchas, composições. Recusava continuar um quadro quando achava que estava pronto, e às vezes jogava o pincel longe, como quem diz: “basta de expressão por hoje”. Ao longo de três anos, produziu mais de 400 obras. Dizem que Picasso pendurou uma delas em seu estúdio. Dali em diante, a arte animal havia nascido — ou sido inventada, depende de quem narra.
O caso de Congo virou símbolo de um movimento artístico improvável — não porque primatas pintem melhor do que humanos (embora, em certos salões de arte, isso seja discutível), mas porque ele abriu a jaula para que outros animais também colocassem suas patas no mercado. Na Suécia dos anos 60, críticos vibraram com a ousadia de Pierre Brassau, novo expoente francês da arte abstrata — até descobrirem que ele era, na verdade, um chimpanzé do zoológico local chamado Peter. A farsa virou manchete, e os críticos, humilhados, precisaram rever seus adjetivos. Não foi a primeira vez que um animal enganou o sistema artístico. E, spoiler: não seria a última.
Décadas depois, quem assumiria os holofotes seria uma porca. Pigcasso, resgatada de um matadouro na África do Sul, tornou-se um fenômeno. Pincel na boca, tela à frente e movimentos decididos, ela construiu uma carreira digna de artista pop. Sua obra mais cara foi vendida por 27 mil dólares. A porca virou ícone vegano, estrela do Instagram e colaboradora da marca Swatch, que estampou um de seus quadros em um relógio de edição limitada. Não lhe falta reconhecimento — nem merchandising.
Os elefantes também entraram no movimento. Na Tailândia, o “Elephant Art” virou atração turística. Animais são treinados para pintar flores, árvores, até autorretratos, segundo os organizadores. O problema? Treinamento forçado, denúncias de maus-tratos e um suposto processo artístico baseado mais em punição do que em pulsão. O resultado? Obras que, mesmo sob suspeita, são vendidas como arte solidária.
E se você acha que só os grandes mamíferos se metem nisso, saiba que há cães com carreiras mais estáveis que muitos artistas humanos. Golden retrievers e beagles “pintam” com patas carimbadas ou pincéis na boca. Suas obras são vendidas em plataformas online por centenas de dólares. Os donos, claro, anunciam com frases como “inspirado na energia do outono” ou “expressão pura do momento presente”. O cão só queria um petisco.
Toda essa história levanta uma pergunta que incomoda curadores, artistas e filósofos: isso é arte ou é marketing? Estamos diante de um gesto espontâneo e legítimo ou apenas projetando sobre os bichos nossa própria necessidade de encantamento? Se uma pintura abstrata feita por um chimpanzé arranca aplausos de críticos, o que exatamente está sendo valorizado ali — a estética ou o absurdo?
Mais ainda: até que ponto é ético envolver animais em experiências artísticas? Há consentimento em balançar um pincel? Ou apenas condicionamento disfarçado de genialidade peluda? Seriam essas obras formas de libertação ou de nova domesticação — agora, sob moldura?
A arte sempre nos desconcertou. Mas talvez nunca tanto quanto agora, quando uma tela borrada por um focinho quadrupede vale mais do que o salário de um artista visual brasileiro. E se é verdade que a arte nasce do desejo de comunicar algo, talvez os animais estejam nos dizendo mais sobre nós mesmos do que gostaríamos de ouvir.
Porque no fim das contas, o que realmente estamos comprando? Uma obra de arte… ou o espelho da nossa própria ingenuidade estética?
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