Na ala de emergência de um hospital público, os minutos parecem segundos. A enfermeira Camila Barroso, 34 anos, sabe disso como ninguém. Em uma manhã abafada de segunda-feira, ela precisou improvisar um suporte de soro com fita adesiva, um cabide de roupas e uma haste de limpeza — tudo para manter a hidratação de um paciente que chegara em estado crítico e não podia ser transferido de leito. “Naquele momento, não era uma gambiarra, era a única forma de salvar uma vida”, relembra. Em doze anos de profissão, Camila aprendeu que criatividade, aliada ao conhecimento técnico, não é apenas bem-vinda — é essencial. Mas esse tipo de improviso frequente também acende um alerta: a criatividade não pode ser o único recurso de quem deveria ter estrutura adequada para exercer sua função com segurança.
Celebrado em 12 de maio, o Dia Mundial do Enfermeiro homenageia não apenas o cuidado e a dedicação, mas também a engenhosidade por trás das ações cotidianas desses profissionais. A data, escolhida em referência ao nascimento de Florence Nightingale, marca a luta histórica por melhores condições de trabalho, valorização profissional e respeito à saúde mental de quem cuida. No Brasil, onde hospitais públicos e unidades básicas de saúde muitas vezes enfrentam escassez de materiais, profissionais se veem forçados a encontrar soluções alternativas para manter os atendimentos — um retrato da precariedade, não da normalidade.
“Inovação em saúde não é fazer milagre com o que não se tem. É melhorar processos, otimizar recursos, mas dentro de um ambiente minimamente estruturado”, afirma o pesquisador em inovação médica da Fiocruz, Dr. Rafael Mendonça. Para ele, romantizar a criatividade como forma de compensar a ausência de equipamentos é um erro grave. “Quando a gambiarra vira rotina, o sistema adoece. E junto com ele, o profissional.”
Casos de inovação genuína acontecem diariamente e devem ser celebrados. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), reconheceu 16 experiências inovadoras desenvolvidas por trabalhadores da enfermagem no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Essas práticas se destacaram pela inovação, êxito e relevância para a enfermagem e para o SUS, apresentando resultados concretos aos desafios dos serviços de saúde e trazendo soluções estratégicas para os territórios .
No entanto, há um limite claro entre inovar e se virar nos 30 porque o básico não chega. A criatividade, nesse contexto, deve ser um diferencial — nunca uma exigência diante do abandono estrutural. A professora universitária e enfermeira Luciana Rios reforça que o peso da improvisação constante impacta diretamente a saúde mental dos profissionais. “Não é saudável viver em alerta todos os dias, tentando salvar vidas sem as ferramentas mínimas. Isso leva à exaustão, ao adoecimento físico e psicológico.”
Dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) revelam que o Brasil possui mais de 2,4 milhões de profissionais de enfermagem. No entanto, muitos enfrentam jornadas extenuantes e remunerações abaixo do ideal. Em 2021, pela primeira vez, a remuneração média real das enfermeiras foi mais baixa que o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE. Além disso, jornadas que superam as 60 horas semanais são cumpridas por centenas de milhares de profissionais da enfermagem .
A pandemia de COVID-19 agravou ainda mais as condições de trabalho desses profissionais. De acordo com dados do Cofen, entre abril de 2020 e janeiro de 2022, foram registrados no Brasil 833 óbitos de profissionais de enfermagem devido à COVID-19, o maior número de mortes entre profissionais de enfermagem no mundo .
No fim das contas, homenagear os enfermeiros no 12 de maio é reconhecer que, sim, eles são criativos, resilientes e geniais. Mas não deveriam ter que ser heróis todos os dias. A verdadeira inovação começa quando a estrutura existe, e a criatividade surge como potência — e não como último recurso. Que a data sirva também como um chamado à responsabilidade coletiva de garantir que salvar vidas não dependa de fita adesiva, mas de respeito, investimento e dignidade.
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