Rainha das Matas: Conheça o Festival LGBTQIAPN+ da Amazônia que está conquistando o mundo

O Festival Rainha das Matas é mais do que um concurso de beleza: é um movimento de resistência, cultura, arte e sustentabilidade nascido no coração da Amazônia. Criado em 2022 na Ilha do Marajó, o projeto, idealizado por Ágatha Felina, celebra as vivências, as belezas e as histórias da população trans e travesti da região amazônica, em uma verdadeira ode à floresta, aos saberes ancestrais e à liberdade de ser quem se é.

Em apenas três anos, o concurso cresceu de um encontro íntimo na beira do rio para se tornar um festival de grande porte, com oficinas, ações ambientais e reconhecimento internacional. E neste ano, em um contexto ainda mais especial por conta da COP 30, — a 30ª edição da Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em 2025 em Belém, capital do Pará. A COP 30 é um dos maiores eventos globais de discussão sobre o futuro do planeta, reunindo líderes mundiais, cientistas, organizações ambientais e representantes da sociedade civil para debater estratégias de combate às mudanças climáticas e preservação dos ecossistemas e das culturas tradicionais.

Nesta entrevista exclusiva para o Criatividade em Falta, Ágatha compartilhou em um bate-papo descontraído e cheio de energia como nasceu o Rainha das Matas, os desafios superados, os sonhos realizados e o futuro promissor do festival que une arte, ativismo e amor pela floresta.


Criatividade em Falta: Quem teve a iniciativa de criar o projeto? Como surgiu a ideia do Concurso Rainha das Matas e quais foram os principais objetivos por trás da criação do projeto?

Ágatha Felina: Eu sou Edenil Gonçalves, mais conhecida como Ágatha Felina, homem gay, produtore cultural e militante LGBTQIAPN+ da Ilha do Marajó. A ideia do Concurso Rainha das Matas surgiu em 2022, como uma resposta à invisibilidade da população trans e travesti da região. Inspirado na tradicional Rainha das Rainhas de Belém, eu quis fazer uma releitura que fosse nossa, amazônica e que valorizasse nossas belezas, histórias e principalmente nosso território. O objetivo era criar um espaço de pertencimento, onde nossas vivências fossem celebradas com orgulho, arte e consciência ambiental.

Criatividade em Falta: Como foi a experiência da primeira edição e quais os principais desafios enfrentados naquele início? Quais aprendizados daquele momento ainda repercutem nas edições atuais?
Ágatha Felina: A primeira edição foi realizada no Pedral, quase como uma brincadeira entre amigas, mas com muita garra e emoção. Foi tudo no improviso, mas feito com o coração. O maior desafio foi a falta de estrutura e recursos. Mas o carinho da comunidade nos mostrou que estávamos no caminho certo. Aprendi que quando a gente movimenta o território com amor e verdade, as pessoas acolhem e se sentem parte. Esse sentimento de pertencimento segue até hoje.

Criatividade em Falta: Esta é a quarta edição do concurso. De que forma o evento evoluiu ao longo do tempo em termos de estrutura, público e proposta artística?
Ágatha Felina: Crescemos muito. Da beira do rio no Pedral, fomos para o campo do Fomento e agora ocupamos o Parque de Exposições. Hoje somos um festival reconhecido, com oficinas, formações e ações ambientais. O público aumentou, a repercussão também, mas sem perder a essência das matas e do território. As performances estão mais elaboradas, os figurinos mais potentes – sempre com materiais orgânicos e reaproveitados. Viramos um movimento de cultura, sustentabilidade e resistência.

Criatividade em Falta: A edição deste ano ganhou ainda mais relevância por ocorrer no mesmo ano da COP 30, que será realizada em Belém. Houve alguma conexão direta com esse contexto ambiental?
Ágatha Felina: Sim, com certeza. Esta edição tem como tema “Carbono Azul – A importância dos Manguezais”. Trouxemos o debate da COP 30 para dentro do festival, numa linguagem popular, acessível e cheia de encantaria. Nossos corpos travestis falam do meio ambiente com poesia e luta. Acreditamos que a preservação da Amazônia passa pela valorização das culturas locais e tradicionais, pela escuta das juventudes periféricas e das lideranças indígenas e LGBTQIAPN+ do território.

Criatividade em Falta: Como foi o processo de realização do concurso neste ano?
Ágatha Felina: Foi intenso! Tivemos uma equipe de mais de 30 pessoas envolvidas diretamente, entre produção, figurino, comunicação, logística e mobilização comunitária. Tivemos formações em biojoias e costura sustentável, mesas de debate sobre a COP 30, ações de limpeza da praia e, claro, o desfile. O público lotou o espaço e se emocionou. As famílias compareceram, crianças, idosos, todxs vibrando por cada candidata. Foi lindo demais.

Criatividade em Falta: Quais foram os principais critérios de avaliação para a escolha da Rainha das Matas nesta edição? Quem ganhou? Há uma linha curatorial que guia os desfiles, performances e representações?
Ágatha Felina: Os critérios envolvem presença cênica, originalidade, figurino orgânico, relação com o tema do ano e conexão com o território. Cada edição tem uma curadoria pensada em valorizar narrativas que dialogam com o meio ambiente e com nossas lutas enquanto comunidade LGBTQIAPN+ amazônida.. Temos uma banca diversa, com artistas, ativistas e lideranças locais. A disputa do Rainha das Matas este ano foi acirrada e terminou com um empate técnico entre as candidatas Samira e Brunessa, que havia conquistado o título em 2023. Em um momento emocionante, Brunessa, reconhecida pelo seu talento e carisma, cedeu a faixa e a coroa para Samira, em um gesto de respeito e valorização da diversidade e da sororidade.

Criatividade em Falta: Quais são as perspectivas para o futuro do concurso?
Ágatha Felina: Nossa meta é consolidar o Rainha das Matas como um festival permanente do calendário cultural da Ilha de Marajó. Estamos dialogando com parceiros como a FARM, o Instituto Regatão e queremos ampliar com apoio público, como da Secretaria Nacional LGBTQIAPN+. Queremos criar também um centro de formação em moda sustentável e arte drag, promover intercâmbios culturais e transformar essa iniciativa em política pública de cultura e cidadania.

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