"Ah, mas eu só considero Geração Z quem nasceu depois de 2000..."
A frase, postada recentemente no LinkedIn, poderia passar despercebida se não fosse o ponto de partida de uma reflexão muito mais profunda sobre quem são, afinal, os jovens que já não são mais tão jovens assim. A Geração Z cresceu, paga boletos, sustenta a si mesma, encara reuniões de trabalho e desafios que muitas vezes extrapolam a idade cronológica e mergulham direto nas desigualdades históricas do Brasil.
Na publicação que viralizou na rede, Marta B. Bezerra de Sá, Analista Sênior de Comunicação na The HEINEKEN Company, questiona com contundência a simplificação das classificações geracionais. Para ela — e para tantos outros que se sentiram tocados pela postagem — o que molda a juventude brasileira não é o ano de nascimento, e sim o país em que se nasce e, principalmente, o tipo de Brasil que se tem acesso.
“Porque o que define o jovem brasileiro não é o ano em que ele nasceu.
É o Brasil onde ele nasceu e as oportunidades (ou a falta delas) que teve.”
No mundo corporativo, é comum ver discursos que rotulam a Geração Z como instável, impaciente, desconectada da “realidade” do trabalho. Mas que realidade é essa? E de quem? Porque para quem nasceu no interior do país e dividia um computador com a família inteira, como relata Angélica Neiva, copywriter e jornalista, o cenário é bem diferente do que se imagina nos escritórios das grandes capitais.
“Era um caos, mas nós lidamos bem”, relembra ela. “Demorei a ter celular — e era só pra ligar pros meus pais me buscarem do inglês. Nós vivemos muitos perrengues que só a gente do interior sabe.”
Angélica, assim como muitos da sua geração, é o retrato de uma juventude que cresceu vendo o Brasil em processo de transformação digital, mas que não teve acesso a ela da mesma forma. E isso diz muito mais sobre a desigualdade estrutural do país do que sobre qualquer característica de uma suposta "geração desconectada da realidade".
Francine Pairet, estrategista de conteúdo, é de 1992 e se sentiu identificada com o debate: infância analógica, adolescência com Orkut, e o mercado batendo à porta antes mesmo do diploma. Ela representa um grupo que viveu esse meio do caminho entre duas eras — mas sem nunca estar completamente em uma ou outra. “O que mais faz sentido é esse ponto: não é o ano de nascimento que define e sim a realidade onde a gente cresceu”, reforça.
A Geração Z não é mais adolescente. Muitos já ultrapassaram os 25 anos. Estão no mercado, formados (ou não), enfrentando longas jornadas, tentando empreender, estudando, criando filhos, pagando aluguel — e ainda sendo julgados como se estivessem "no TikTok o dia inteiro". Existe uma cobrança injusta que não considera o que Sharla Andrade, analista jurídica, chama de proporções gigantescas do país:
“Se houvessem duas linhas imaginárias cortando o Brasil, facilmente veríamos em que quadrante a maior parte das oportunidades se concentram.”
Marta resume com uma lucidez que deveria ser regra, não exceção:
“No Brasil, a Geração Z:
É, em maioria, preta e parda
Está fora das capitais
Entra cedo no mercado de trabalho
E enfrenta os maiores índices de desemprego, evasão escolar e ansiedade.”
Generalizar comportamentos com base em pesquisas feitas em outros países, que desconsideram o contexto social, racial e geográfico do Brasil, é um desserviço. É ignorar que há muitos Brasis dentro do Brasil. E é também perpetuar a ideia de que jovens precisam caber em caixinhas pré-moldadas, como se fossem produtos de uma única esteira de produção.
A Geração Z, no Brasil, não é só a do "vídeo viral". É a do perrengue, da superação, do esforço coletivo, das redes de apoio, das múltiplas jornadas. É a geração que cresceu rápido demais porque precisou — não por escolha. E que agora, mesmo adulta, segue tentando se afirmar em um mercado de trabalho que ainda insiste em vê-la como imatura.
É hora de parar de chamá-los de jovens perdidos. Eles são adultos conscientes. Só não estão dispostos a repetir padrões que já não funcionam mais — e talvez seja exatamente isso que incomoda.
Mas e os verdadeiros adolescentes de hoje? Quem são?
Eles pertencem à chamada Geração Alpha — nascidos a partir de 2010 — e são os filhos dos millennials e os irmãos mais novos da Geração Z. Essa geração nunca conheceu um mundo sem telas sensíveis ao toque, wi-fi ou streaming.Estão crescendo no auge da inteligência artificial, da hiperconectividade e da personalização algorítmica. Diferente da Geração Z, que testemunhou a transição analógica-digital, os Alphas já nasceram imersos no digital.
A psicóloga americana Jean Twenge, professora da San Diego State University, destaca que a Geração Alpha é a primeira a conhecer smartphones e redes sociais desde o nascimento. Ela observa que:
“A quantidade de tempo que os Alphas estão passando com telas em idades tão jovens é preocupante. Como exemplo, as taxas de obesidade infantil estão aumentando.”
No Brasil, a socióloga Wivian Weller, professora da Universidade de Brasília (UnB), alerta para a necessidade de não reduzir a compreensão dessa geração apenas ao uso de tecnologias. Ela afirma que:
“Uma geração não se constitui apenas pelo uso de tecnologias, mas a gente precisa perguntar também que tipo de uso essa geração faz com elas.”
É uma geração que vai exigir — mais do que nunca — escuta, adaptação e uma profunda revisão de como a educação, o trabalho e as relações humanas estão sendo construídos.
No fim, talvez a maior lição seja essa: não podemos entender gerações sem entender contextos. Não podemos cobrar maturidade sem antes oferecer estrutura. E não devemos, jamais, julgar o presente com os moldes de um passado que muitos já não cabem mais.
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