Como a IA está mudando a indústria da música

Na reestreia do quadro Terça Musical, mergulhamos de cabeça — e com um fone de ouvido conectado ao futuro — em uma pauta que parece saída de um disco conceitual meio distópico: a inteligência artificial está tomando conta da indústria da música. Ela compõe, canta, produz, divulga e, se deixar, até assina autógrafos digitais. E o ser humano? Assiste de camarote — ou melhor, do sofá — tentando entender se está diante de uma revolução criativa ou só sendo gentilmente chutado do palco.

Nos últimos tempos, ferramentas de IA vêm dominando a cena como se fossem a nova boy band do momento, só que sem os escândalos, sem os egos inflados e, claro, sem alma. Softwares como AIVA compõem trilhas sonoras orquestrais de fazer maestro chorar no banho. Outras IAs já lançaram músicas pop chicletes e lo-fi relaxantes com direito a artistas virtuais que têm milhões de ouvintes — muitos dos quais nem desconfiam que estão se emocionando com o microchip.

Na produção, a IA é tipo aquele amigo que faz tudo: ajuda na mixagem, masteriza com precisão milimétrica e ainda sugere acordes e letras que fariam inveja a certos compositores por aí. Estúdios economizam, lançamentos aceleram e a indústria bate palmas. Já nas plataformas de streaming, os algoritmos sabem mais sobre seu gosto musical do que seu melhor amigo — e até que você mesmo.

Mas é claro que nem tudo é trilha sonora de ficção científica. Existem dilemas cabeludos em jogo. Compositores, produtores e músicos de carne e osso estão começando a notar que suas contas bancárias não acompanham o ritmo do avanço tecnológico. Afinal, se uma IA cria uma música com base em milhares de obras humanas, cadê os créditos? Onde termina a homenagem e começa o Ctrl+C Ctrl+V emocional?

Segundo o pesquisador em arte e tecnologia André Lemos, professor da UFBA, “a IA não tem vivência, não tem memória afetiva, não tem dor — ela apenas processa dados. Quando consumimos arte, queremos mais do que eficiência. Queremos sentir algo que nos atravesse, que nos conecte a alguém do outro lado. Isso é algo que a IA, por enquanto, não entrega. E talvez nunca entregue”, disse André.

Artistas renomados já se revoltaram. O rapper americano Drake, por exemplo, viu sua voz ser utilizada em uma música gerada por IA que viralizou nas redes. A faixa, criada sem qualquer autorização, assustou até quem já está acostumado a enfrentar os desafios da indústria. “Isso não é homenagem. É roubo. É brincar com a identidade de alguém como se fosse um filtro de voz”, disse em entrevista. Drake, como outros artistas, defende que a indústria precisa estabelecer limites antes que seja tarde demais.

Outros músicos protestam de forma mais poética — lançando álbuns silenciosos ou inacabados, como se dissessem: “prefiro o vazio à artificialidade”. Há ainda os otimistas, que veem na IA uma parceira de composição. É como chamar um robô para co-escrever a sinfonia da sua alma — só que ele chega com planilha e sem coração.

No fim das contas, estamos numa encruzilhada sonora. De um lado, um universo de possibilidades criativas. Do outro, o risco de transformar a arte num produto tão previsível quanto um refrão de hit do verão. A IA é rápida, eficiente e incansável. Mas será que ela vai entender o que é escrever uma música depois de um coração partido, de uma noite mal dormida ou de um café mal coado?

Para onde vamos com tudo isso? Será que o próximo grande álbum do ano será feito por um software e lançado direto para um playlist chamado “Emoções Genéricas para Segunda-Feira”? Ou vamos reencontrar o valor do erro, da imperfeição, da beleza humana que existe num acorde fora do tom?

A IA pode até tocar nossas músicas. Mas será que um dia vai aprender a tocar a nossa alma? Se depender dela, a resposta vem em segundos. Mas talvez a gente precise de um pouco mais de tempo, silêncio e contratempos para responder de verdade. Enquanto isso, seguimos escutando. E torcendo pra não virar apenas figurante na trilha sonora que a tecnologia quer compor sozinha.

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