O teatro, essa casa onde sonhos ganham forma e vozes constroem universos, tornou-se, nos últimos dias, palco de uma polêmica inesperada. A nova turnê brasileira do musical Wicked, encenada no Teatro Renault, em São Paulo, tem enfrentado desafios que vão além da complexidade cênica e vocal. O problema, curiosamente, não está no palco, mas na plateia.
Desde a estreia, relatos de espectadores sobre a falta de respeito durante as apresentações inundaram as redes sociais. O fenômeno tem um nome: hype. O entusiasmo gerado pelo aguardado filme estrelado por Cynthia Erivo e Ariana Grande no ano passado, baseado no musical, impulsionou uma nova leva de fãs aos teatros. Porém, muitos destes, acostumados com a espontaneidade das sessões de cinema e shows de artistas pop, têm demonstrado pouca familiaridade com a etiqueta teatral. A empolgação transformou-se em gritos, cantorias desenfreadas e reações exaltadas, comprometendo a experiência daqueles que buscam a imersão total na grandiosidade de Wicked.
A conta oficial do musical Wicked Brasil precisou intervir. Um comunicado foi publicado nas redes, reforçando que a produção não tolerará comportamentos que atrapalhem a performance e a experiência coletiva. Desde a última quarta-feira (26), um aviso antes de cada apresentação lembrará ao público que os aplausos e expressões de entusiasmo devem ser reservados para os momentos apropriados.
Mas o que isso revela sobre a relação do espectador brasileiro com o teatro musical? O problema não é novo: produções da Broadway que passaram pelo país já enfrentaram desafios semelhantes. No entanto, a era das redes sociais amplificou esse comportamento. Hoje, o público não apenas assiste, mas quer participar ativamente, muitas vezes esquecendo-se de que o teatro não é um espetáculo interativo da maneira que um show de rock pode ser.A empolgação é bem-vinda, mas deve coexistir com o respeito à arte e aos artistas. Quando Fabi Bang (Glinda) e Myra Ruiz (Elphaba) soltam suas vozes em Defying Gravity, é o momento de arrepiar-se em silêncio, não de competir em volume. Afinal, o encanto do teatro está justamente na sua capacidade de nos transportar para outros mundos — desde que saibamos ouvir.
Talvez seja hora de um novo aprendizado cultural: o de ser um espectador atento e respeitoso, que entende que há beleza no silêncio tanto quanto na explosão de emoções. Wicked continua a encantar gerações. Que possa fazê-lo sem que a magia seja interrompida pelo excesso de entusiasmo.
E essa reflexão se torna ainda mais pertinente hoje, 27 de março, Dia Mundial do Teatro. Uma data que nos convida a valorizar essa arte milenar, a respeitar aqueles que a fazem acontecer e a compreender que o teatro é um espaço de comunhão, onde cada um tem o direito de sentir, viver e absorver a experiência sem interferências. Que possamos celebrar essa data não apenas assistindo, mas aprendendo a ser plateia.
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